segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O LIVRO SUA MAJESTADE LXXXIII - DE ONDE VÊM AS BOAS IDEIAS

 Para os estudiosos do processo de inovação, este livro é um prato cheio. De onde vêm as boas ideias - uma breve história da inovação - foi escrito pelo americano Steven Johnson (1968 - ), em 2010 e teve sua primeira edição em português em 2011.


Steven Johnson considerado um autor americano de ciência popular e teórico da mídia, descreve no livro, métodos e práticas para desenvolver ideias. Segundo o autor as grandes inovações criadas pela humanidade, não resultam de prodigiosos talentos individuais, ou de mentes superiores isoladas.

Ao contrário, as maiores invenções precisam de ambientes propícios nos quais possam se desenvolver.

Indicado para pessoas que desejam aprender métodos inovadores para pôr em prática ideias que facilitem a vida de todos.

Além de trazer fatos históricos sobre as principais inovações do mundo, o livro cria paralelos divertidos, inesperados e reveladores, através de sete características fundamentais dos processos de inovação, desenvolvidos pelo homem e pela natureza.

Desde a teoria da evolução de Darwin, até a criação do Youtube, Steven Johnson identifica os ambientes humanos mais férteis em pensamentos originais. Johnson defende, por exemplo, que as grandes cidades têm muito mais talentos e se fortificam através de redes para gerar processos de inovação. Sua justificativa é que as grandes cidades têm muito mais necessidades de solução de problemas, criando assim o ambiente propício para os talentos desenvolverem processos inovativos. Ele explica que o "possível adjacente", ou seja, as coisas que não são estáticas e estão conectadas criam redes e auxiliam muito no desenvolvimento de novas ideias.

Uma passagem muito interessante do livro e que diz respeito às redes é a seguinte:

"Um neurônio médio conecta-se com mil outros neurônios espalhados pelo cérebro, o que significa 100 trilhões de conexões neurais distintas, fazendo dele a maior e mais complexa rede existente na Terra. Em comparação há algo na ordem de 40 bilhões de páginas na Web. Supondo uma média de dez links por página, significa que você e eu andamos por aí tendo, dentro de nossos crânios, uma rede de alta densidade muitas ordens de magnitude maior que toda a Web." Incrível isso!!

Steven também defende que a causalidade pode gerar muitas modificações na sociedade e que a intuição também faz parte dos processos de inovação.

No capítulo do aprendizado com o erro, o autor traz vários exemplos históricos de inovação que aconteceram com o erro da pessoa que estava desenvolvendo aquele processo e o erro/equívoco gerou uma nova descoberta. O erro muitas vezes cria um caminho que desvia das suposições confortáveis, forçando a explorar novas possibilidades. 

"O problema do erro é que temos uma tendência natural a desprezá-lo." Eis o erro!

Prensa de Gutenberg
No capítulo sobre "Exaptação"(processo de reuso de um artefato ou uma característica já adaptada, para um uso definido), Steven traz o exemplo da prensa de uvas para fazer vinho usada ainda na Idade Média e que Gutenberg introduziu algumas modificações brilhantes na metalurgia subjacente ao sistema de tipo móvel. Ou seja, a genialidade de Gutenberg não está em conceber uma tecnologia inteiramente nova a partir do zero, mas em tomar emprestada uma tecnologia madura (prensa) de um campo inteiramente diferente e usá-la para resolver um problema de outra natureza. Assim, Gutenberg criou a prensa de tipos móveis e começou a democratização do conhecimento.

"Gutenberg pegou uma máquina destinada a embriagar pessoas e transformou-a numa máquina para a comunicação em massa."

O sétimo capítulo fala sobre as Plataformas para difusão de ideias. O ambiente do "cafezinho" é um ótimo local para difundir novas ideias e gerar novos projetos. A cafeteria do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hoppkins nos EUA, teve importante papel no desenvolvimento da comunicação, quando cientistas tomando café criaram um decodificador de sinal que conseguia receber as mensagens do satélite russo Sputnik. Isso foi uma das bases para a criação do GPS.

As plataformas de software, muita vezes chamadas de API é uma espécie de língua franca que aplicativos de software podem usar de maneira confiável para se comunicar uns com os outros. Exemplo, Twitter, Facebook, Instagram, Google Maps, entre tantos outros. Ou seja, a Web é uma plataforma em pilhas, uma sobre a outra, onde elas não partem do zero e sempre podem agregar uma nova pilha. Ou seja, as conexões das cidades grandes e as conexões da Web, nunca partem do zero.

A abordagem sobre os quatro quadrantes das ideias e inovações ressalta a parte comercial e a não comercial.

O primeiro e o segundo quadrantes se referem às ideias individuais e coletivas com interesse mercantil, Já o terceiro e o quarto quadrantes se referem às ideias também individual e coletivas, porém sem interesse econômico. Do ano de 1800 para cá, o fluxo de informações cresceu absurdamente o que remete a muitas novas boas ideias.

O livro ainda aborda, como apêndice, uma excelente cronologia de inovações fundamentais de 1400 a 2000. É uma parte preciosa do livro.

Assim, o livro traz excelentes reflexões sobre as ideias de inovação. As ideias surgem em abundância, onde a conexão é mais valorizada que a proteção.

É uma leitura um pouco técnica, mas de muita valia para entender mais sobre inovação.

Professor Mario Mello


sábado, 13 de novembro de 2021

O LIVRO SUA MAJESTADE LXXXII - OS RATOS

 Publicado em 1935, "Os Ratos" do escritor gaúcho Dyonelio Machado (1895-1985) é um dos romances mais importantes da literatura brasileira.

Fui "rebuscar" este livro em minha biblioteca, pois o havia lido em 1984. Foi um livro que me marcou bastante à época, pela simplicidade da escrita de um cotidiano difícil para um pai que precisa de dinheiro para sustentar o leite para seu filho pequeno.

Dyonelio Machado foi um dos principais expoentes da segunda geração do Modernismo no Brasil. Dyonelio foi romancista, poeta, jornalista e médico psiquiatra. 

Reverenciado por escritores consagrados como Érico Veríssimo, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, entre outros, Dyonelio foi multifacetado, polêmico, mas de grande valor.
Disse Érico Veríssimo certa vez: "De vez em quando leio algum critico afirmar que quem primeiro fez a ficção urbana no Brasil, fui eu. Engano. Que começou foi Dyonelio. O futuro dirá, como este escritor era importante."

Guimarães Rosa disse: "Se o livro do Dyonelio tivesse sido escrito em Francês ou em Inglês e por autor estrangeiro, era Premio Nobel, sem dúvida."

Os Ratos descreve uma sociedade contemporânea preocupada com o dinheiro. O sofrimento do protagonista Naziazeno pela falta de dinheiro é a trama principal do romance.
Devendo 53 mil réis ao leiteiro, que não aceita mais desculpas e vai cortar o fornecimento do leite no dia seguinte, leva Naziazeno à uma preocupação sem fim.
O desespero bate em Naziazeno, pois ele tem um filho de 1 ano que precisa do leite. 
A pequena miséria e as frustrações do cotidiano refletem no protagonista um caminhar sem rumo e o laço moral de um pai que precisa saldar a dívida com o leiteiro.
O romance se passa em um único dia. Naziazeno sai de manhã cedinho para o trabalho e tudo acontece neste dia, pois a busca pelo dinheiro necessário é urgente.
Seu primeiro alvo para conseguir o dinheiro é seu chefe da repartição onde trabalha. A resposta do chefe foi: "Eu já o ajudei. Não me peça mais nada."
E assim, Naziazeno tem sua primeira negativa.

Depois procura pelos amigos Alcides e Duque que prontificam-se em ajudá-lo.

Nesta trama novelesca, o incentivo imediato da ação foi a necessidade, tornada urgente pela ansiedade coletiva do grupo de arranjar o dinheiro para saldar a dívida.

Naziazeno conseguiu 5 mil réis com outro amigo. Como era pouco dinheiro, resolve (sem os outros amigos saberem) jogar na roleta. O desfecho é previsível: perdeu os 5 mil no jogo. Naziazeno não poderia voltar para casa sem o dinheiro. A angústia e o sofrimento só aumentava. Neste ponto, Dyonelio Machado manifesta toda sua genialidade com a escrita.

Depois de muitas passagens, negativas de agiotas, fome, a pequena miséria durante todo o dia, à noitinha o grupo consegue convencer uma outra pessoa a desembolsar uma quantia, recebendo em garantia um anel do amigo Alcides.

Depois de todo o sofrimento do dia, Naziazeno volta para casa com o dinheiro que conseguiu emprestado. Sua mulher, ansiosa, estranhara o atraso do marido, porém se acalmou com a notícia de que Naziazeno tinha conseguido o dinheiro para o leiteiro.

A partir daqui, o final é dramático. Naziazeno e a mulher resolvem deixar o maço de dinheiro com os 53 mil réis, na cozinha, ao lado do pote onde o leiteiro pela manhã bem cedo faria o abastecimento. Para não acordarem muito cedo resolveram que o leiteiro vendo o dinheiro, o pegaria e estaria tudo certo para a manutenção do fornecimento de leite.

Será que os ratos vão comer o dinheiro?
De tão cansado pela angústia do dia inteiro, Naziazeno não consegue dormir bem, revira-se na cama o tempo inteiro e começa ouvir barulhos de ratos andando pela casa toda.
Este final é brilhante, talentoso e muito imaginativo.


Depois de tanto sofrimento de Naziazeno para conseguir o dinheiro, será que os ratos vão come-lo?
Será que todo esforço para conseguir o dinheiro será frustrado?
Os ratos trarão este revés?

A resposta o leitor terá apenas no último parágrafo do livro. 
O talento deste fantástico Dyonelio Machado, prende o leitor até a última palavra, para o desfecho do romance.

Estupendo romance!!!!

Professor Mario Mello


sábado, 6 de novembro de 2021

O LIVRO SUA MAJESTADE LXXXI - O PROFESSOR

 "O professor", romance escrito por um dos mais celebrados escritores brasileiros contemporâneos, Cristovão Tezza, traz um forte personagem, o professor Heliseu, como protagonista.

O escritor Cristovão Tezza (1952 - ) escreveu mais de uma dezena de livros e recebeu vários prêmios literários ao longo de sua trajetória. Em uma entrevista sobre o livro "O professor", Cristovão diz, que sem dúvida, é o seu mais completo romance. Um livro "maduro", que de certa forma aborda o envelhecimento com suas memórias e fantasmas.

O professor Heliseu narra uma história afetiva emocional em torno da sua vida - buscar o sentido da vida. Toda a narrativa acontece em apenas uma manhã, quando o professor acorda e se prepara para receber uma homenagem da universidade, pela sua brilhante trajetória. 

Num curto espaço de tempo entre o acordar, tomar café da manhã e tomar banho, Heliseu faz uma incrível retrospectiva da sua vida, narrando fatos desde sua infância até este momento, aos 70 anos, enquanto se prepara para ir à universidade receber a homenagem.

Professor de Filologia (estudo da linguagem em fontes históricas escritas, incluindo literatura, história e linguística), formado nos anos 60, Heliseu faz sua narrativa dos vários fatos de sua vida, como se estivesse em busca do tempo perdido. Heliseu é tomado por uma sucessão incontrolável de memórias.

O talento do autor se revela em relacionar as passagens narradas pelo professor Heliseu, com algum fato da história recente do Brasil. Fatos como, as diretas já, o Plano Cruzado, a inflação galopante da época de Sarney, o confisco da poupança pela ministra Zélia Cardoso, entre outros vão sendo relacionados com a vida de Heliseu.

Cristovão Tezza

Neste dia da narrativa, enquanto tomava seu café da manhã preparado por Dona Diva, que era sua empregada doméstica, desde que casara, lendo o jornal deparou-se com a notícia da renúncia do Papa Bento XVI. Como pode um Papa renunciar? Esta indagação o acompanhou até o final da história.

Heliseu casou-se com Mônica, funcionária do Banco do Brasil e teve um filho. Os conflitos familiares começam quando Heliseu flagra seu filho com um namorado. Não sendo aceito, o filho se muda para os EUA e praticamente rompe as relações com o pai.

Na universidade, Heliseu tem uma paixão desestabilizadora de sua vida, pela jovem Therèze. Francesa, Therèze busca em Heliseu o professor orientador de seu doutorado. Heliseu passa então a levar uma vida dupla e de certa forma consentida pela mulher Mônica que aos poucos vai se afastando dele com a amiga Úrsula.

Nesta época acontece uma tragédia. Mônica cai da sacada do apartamento e morre. Sem culpa pelo acidente, Heliseu é investigado e de certa forma, muitos amigos, inclusive na sala de cafezinho da universidade, desconfiam que ele tenha matado a esposa.

Enfim, o tempo passa e Heliseu, agora sozinho, só pensa no discurso que deve fazer na homenagem. Assim, a história vai se conduzindo a este final. 

De forma magistral o autor prende o leitor até a última página. 

As lembranças do professor e o acerto de contas com seu passado estão sempre em conflito com "o sentido da vida", perseguido pelo professor. É uma história extraordinária de um professor, suas memórias e sua vida real.

Vale muito a pena a leitura. Um magnífico romance!

Professor Mario Mello