Minha primeira leitura de 2021, presente de Natal da minha querida sobrinha Carolina Cervo é um
romance do destacado autor português, da atualidade, Valter Hugo Mãe. "O filho de mil homens", traz exemplos de injustiça social e ao mesmo tempo libertação e triunfo pessoal diante das adversidades, mostrando que o amor ao próximo é possível e pode trazer alegrias.
Valter Hugo Mãe se consagrou com o romance "A máquina de fazer espanhóis" onde sua sensibilidade para temas sociais foi muito presente.
Valter Hugo Mãe |
Em "O filho de mil homens" essa sensibilidade social se desvincula de um convencional romance sociológico, para dar aos personagens a grandeza da alma e aos poucos eliminar preconceitos enraizados naquela cultura onde se passa o romance.
Me chamou muito atenção nesse romance que não temos um ou dois personagens protagonistas. Em determinado momento da leitura, me perguntei: quem é o ou a protagonista?
Encontrei logo quatro personagens marcantes que permearam a história, sem serem o personagem, em que tudo gira em seu entorno.
Existe uma personagem, que na história é simplesmente chamada de "anã", que aparece em poucas páginas, mas sua atuação se reflete por praticamente toda a história.
Essa anã teve um filho, que a comunidade chamava de "filho de quinze homens", porque quinze homens da vila (todos casados) estavam entre o suposto pai do menino. A confusão está armada.
Outro personagem, como o senhor Gemúndio, que aparece do nada na história, e, tem uma participação determinante na história. O senhor Gemúndio é daqueles personagens que dá pena, pela sua condição e pela sua fragilidade.
A história se passa numa pequena vila costeira, onde o personagem Crisóstomo chegava aos 40 anos, sozinho e com a tristeza de não ter um filho. Por outro lado Camilo um pequeno rapaz que não tinha pai, mãe e recentemente tinha perdido o avô (que na realidade era avô "emprestado") vivia também uma terrível solidão.
De passagens hilárias como a da galinha gigante (tamanho de um bezerro) do senhor Gemúndio, que na sua cabeça era sagrada e por isso não deveria ser sacrificada, à passagens tristes de preconceito com Isaura porque perdeu a virgindade muito cedo e carregou consigo para sempre a discriminação. Também o Antonino, personagem gay, chamado de "maricas" era rejeitado por todos.
Vejam esta passagem sobre o preconceito com Isaura que era muito magra:
"Não saia de casa, que o vento ainda a leva, não saia de casa, que o frio ainda a racha, não saia de casa, que um carro ainda a atropela, você não saia de casa, diziam. Não saia de casa, que andam cães misturados com lobos pelas ruas e por um ossinho seu ficam malucos, como bichos do diabo."
Todos esses personagens, onde a vida é levada com singela tristeza, no fundo tem a esperança no amor e na alegria da vida com coisas simples.
O coração de Isaura, casando-se com o "maricas", como chamado no livro, demonstra as infinitas possibilidades da alma em busca de pequenas alegrias que podem tornar-se grandes aliadas da felicidade.
Enfim, Valter Hugo Mãe consegue trazer mazelas sociais que nos fazem refletir muito a respeito.
É um ótimo livro, pois como disse tem passagens hilárias mas também muito reflexivas sobre o comportamento e atitude das pessoas.
"Ser o que se pode é a felicidade. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser."
Comecei bem, 2021. Recomendo a todos a leitura de "O filho de mil homens".
Você vai se emocionar e ao mesmo tempo refletir sobre o amor e às pequenas alegrias que podemos viver.
Boa leitura!
Professor Mario Mello