quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O LIVRO SUA MAJESTADE L - A QUEDA DA BALIVERNA

Escolhi um livro do italiano Dino Buzzati para celebrar os 50 (L em números romanos) post do meu blog, por tratar-se de um escritor que me surpreende a cada linha de suas obras. Dino Buzzati construiu uma obra rara cuja leitura fascina, emociona e ilumina o espírito. Especialmente O Deserto dos Tártaros e A Queda da Baliverna, são obras geniais e imperdíveis para quem ama a leitura.

A Queda da Baliverna, do escritor italiano Dino Buzzati (1906-1972), é uma coletânea de contos publicada em 1934.

Dino Buzzati tornou-se mundialmente conhecido pelo romance O deserto dos Tártaros (resenha já feita aqui no blog), cuja marca registrada do autor é uma atmosfera metafísica e filosófica.

Dino Buzzati. Fonte:Google
Neste livro, são 37 contos de muita genialidade, tratando de elementos como a culpa, o remorso, a responsabilidade social, o medo de cada um diante de um destino que não se explica. Enfim, são contos construídos numa linguagem direta e sem rodeios. 

Uma das características dos contos é o jogo do destino e das coincidências da vida real e do cotidiano dos personagens. Mesmo escrito no início do século XX, você se enxerga em vários personagens criados por Buzzati e sua genialidade em tratar os temas, é impressionante.

Poderia aqui, fazer uma resenha de cada um dos 37 contos. Mas, é claro que quando lemos contos, como deste livro, alguns nos chamam mais a atenção. Selecionei 3 deles para comentar.

O primeiro deles é o que dá nome ao livro: A Queda da Baliverna. 

A Baliverna era um enorme edifício um tanto lúgubre, que com consentimento das autoridades, estavam instalados coitados de desocupados e desabrigados que tiveram suas casas destruídas na guerra. Ou seja, eram um edifício em péssimas condições e muito habitado, um verdadeiro cortiço. Numa tarde, nosso protagonista estava se divertindo com alguns amigos, nos espaços livres da Baliverna, quando agarrou-se a uma grade feita de hastes enferrujadas e, puxando-a para equilibrar-se a mesma rompeu. Na sequência rompeu-se, uma viga de apoio, depois uma laje, escoras e...... o prédio todo ruiu. A partir daí tem-se o drama da situação, pois quem seria o culpado da destruição total? Só posso adiantar o seguinte: o conto é hilário e tão real que surpreende até mesmo os mais céticos. 

O segundo dos contos que separei aqui é: O cão que viu Deus.

Esse, sem dúvida, para mim é o melhor dos contos. Trata de maldade, bondade, trapaça, medo, religião e fé. Um rico padeiro de uma pequena cidade morreu e deixaria toda sua herança para o sobrinho Defendente Sapori com uma condição: que ele distribuísse todo dia 50 kg de pães para os pobres e mendigos da cidade. Sapori atende a exigência do tio, porém começa a trapacear na distribuição. Uma manhã na hora da distribuição, um cachorro aparentemente sem dono entra no meio dos pedintes, pega um pãozinho e vai embora lentamente, não como um ladrão, mas como se fosse um direito seu. Isso se repete por muitos e muitos dias. Um dia, o cão presenciou a trapaça de Sapori com os pães e a partir daí esse cão tornou-se um pesadelo para Sapori e para os outros habitantes da cidade, pois o cão, quando menos se esperava, era visto. Tornou-se um mistério, que só será desvendado no final da história.

O terceiro dos contos que mais gostei foi: Encontro com Einstein

Fonte: Google
Numa bela noite de outubro, Albert Einstein, depois de um dia de trabalho, passeava livremente e gozava da benevolência de Deus. Einstein percebeu que estava num lugar que nunca havia visto antes. Aproximou-se um homem negro, pediu que Einstein lhe pagasse uma bebida o que lhe foi negado, pediu fogo o que também ele não tinha e então o negro disse: não estou aqui por acaso. Sou o Anjo da Morte e chegou sua hora. A partir daí trava-se um brilhante diálogo, com Einstein querendo prorrogar sua morte. Aqui, Dino Buzzati revela toda sua genialidade para tratar de assuntos do destino, que não se explica.

Enfim, A Queda da Baliverna é um daqueles livros para ler antes de morrer (fazendo uma brincadeira com o conto do Einstein). 

A linguagem direta e simples de Buzzati, faz com que se tenha uma visão de compreensão muito maior com o drama que se vive diante do tempo e da morte.

Como disse, os 37 contos são ótimos e vale muito a pena ler.

Ponha este livro na sua lista de prioridades, pois não irá se arrepender.

Professor Mario Mello

terça-feira, 8 de setembro de 2020

O LIVRO SUA MAJESTADE XLIX - A FERA NA SELVA

Uma das principais novelas do escritor americano, naturalizado inglês, Henry James (1843-1916), "A Fera na Selva", é um dos livros mais difíceis de ler e entender, já lidos por mim.

Henry James
Mas como cheguei a este livro? Lendo "Zazie no metrô" do escritor francês Raymond Queneau, vi que este livro fazia parte de sua coleção pessoal. Daí, despertou-me a curiosidade de saber, o que um escritor consagrado como Queneau lê, e destaca em sua coleção pessoal. Assim, fui atrás de "A Fera na Selva", e não me arrependi.

Pouco lido no Brasil, o escritor Henry James tem poucos registros em sua biografia. Nunca se casou, não teve filhos, dedicou-se desde sempre à literatura, ou seja, pouca coisa aconteceu na sua vida (que se tenha registro), a não ser suas importantes obras literárias no final do século XIX. Também foi considerado uma das figuras mais participantes ao registrar o comportamento humano em dezenas de romances e novelas.

O escritor e professor Fernando Sabino (1923-2004) organizou e apresentou uma coleção de 10 novelas de autores mundiais em 1986. Coleção intitulada de "Novelas Imortais", traz autores consagrados como Henry James, E.T.A. Hoffmann, Herman Melville, entre outros. Neste post, trago comentários sobre a primeira das novelas: "A Fera na Selva". 

Fernando Sabino que traduziu esta novela para o leitor brasileiro, diz que a escolheu justamente pelo protagonista da obra, se ver as voltas com o problema de nada lhe acontecer na vida. Muito parecido com a vida real do autor da novela. 

A obra tem apenas dois personagens: John Marcher e May Bartran. O tema da novela é a relação ao longo dos anos entre um homem e uma mulher a quem nada acontece. Porém, Henry James consegue dizer o indizível ao longo da trama e nos remete a algumas reflexões importantes, sobre nada acontecer.

Reencontraram-se após alguns anos e May pergunta a John se ele se lembra o que ele tinha contado a ela. Embaraçado, John não se lembra e então começa a trama onde o egoísmo, companheirismo, cumplicidade entre outros sentimentos são descritos. 

Como disse no início, é um livro difícil, porém, recompensador.

A leitura exige rigorosa atenção, mas sempre bem recompensada. A narrativa psicológica conduz o leitor a ficar ansioso até a última palavra da última frase. 

E, fica a pergunta? O que vai acontecer na vida de John Marcher?

Pois é, dedique um pouco de seu tempo para esta leitura (apenas 100 páginas), e você será surpreendido com o desfecho.

Prepare-se psicologicamente !

Professor Mario Mello

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O LIVRO SUA MAJESTADE XLVIII - CONVERSA NA SICÍLIA

 Romance do consagrado escritor italiano Elio Vittorini (1908-1966), considerado um dos mais importantes do século XX, escrito em 1937, antecipou as preocupações político-sociais italianas com o fascismo. 

Inclusive, Vittorini foi preso quando da publicação deste romance chamado conversa na Sicília.

Nascido em Siracusa, na Sicília, palco do romance, Vittorini através de seu protagonista Silvestro Ferrauto, traz o cotidiano de uma pequena cidade na ilha italiana. 

Anti-fascista militante, Vittorini foi um renovador do romance italiano e abre as portas do romance com acontecimentos históricos, na Itália do pós-guerra.

O livro é todo ilustrado, pois o autor foi acompanhado do amigo e fotógrafo Luigi Crocenzi, pela Sicília para a publicação desta edição totalmente ilustrada. São mais de 200 fotos do cotidiano de algumas cidades da Sicília. 

A história trata do protagonista Silvestro que após receber uma carta do pai, falando do aniversário de sua mãe, se dá conta que há 15 anos não visita sua cidade natal e a mãe. Morando no norte da Itália, Silvestro resolve impetuosamente que irá visitar sua mãe no interior da Sicilia. 

No livro não há propriamente personagens, mas tipos, figuras alegóricas como: o homem com-bigode e sem-bigode; o grande Lombardo, entre outros. 

A viagem feita toda de trem à Sicília traz a Silvestro inúmeras situações cômicas. Mas, sempre o traço anti-fascista aparece.

Quando chega à casa de sua mãe, nesta viagem sentimental, encontra a mãe já separada de seu pai, e percebe, então, uma figura congelada no tempo.

Nem parece que ele saiu de sua casa há 15 anos. 

Silvestro teve um irmão morto na guerra. E numa noite após um "porre" com alguns conhecidos da cidade ele parece reencontrar seu irmão e se estabelece um drama.

É um livro de diálogos cotidianos e de tratamentos frios entre Silvestro, sua mãe e alguns novos amigos de sua cidade natal.

Tem uma forte crítica ao modelo econômico italiano da época, pois os produtos rurais não tinham bons preços de comercialização, o que deixa empobrecida e sofrida a população rural.

No adeus de Silvestro à sua mãe, após passar alguns dias com ela, uma cena surpreendente, que consagra o final do livro.

Não posso, óbvio, contar para não estragar a leitura. Mas, digo-vos: a atenção fica presa até a última frase do livro.

Conversazione in Sicilia é um daqueles livros "garimpados" da literatura italiana que deve ser considerado em suas próximas leituras, pois é um romance muito interessante.

Não deixe de ler!!

Professor Mario Mello

domingo, 6 de setembro de 2020

O LIVRO SUA MAJESTADE XLVII - A HISTÓRIA DA EUROPA EM 24 CERVEJAS


Para quem gosta de história, sem aquele rigor acadêmico que muitas vezes deixam os fatos muito extensos e difícil de ler e entender, este livro sobre algumas passagens históricas da Europa, traz uma visão muito bem escrita sobre a participação da cerveja ao longo dos tempos.

O papel decisivo da cerveja no curso da história e como ela foi e continua sendo uma fator central para muitas culturas, o livro é uma expedição empolgante sobre os estágios da história europeia e o desenvolvimento gradual da indústria cervejeira.

Trata-se de um livro de não ficção escrito pelos autores finlandeses Mika Rissanen e Juha Tahvanainen, onde eles contam em 24 histórias a influência e a participação da cerveja ao longo dos tempos. 

O livro traz histórias muito interessantes desde a hipótese que a habilidade de transformar o grão em malte e torná-lo cerveja é o que levou ao grande uso da levedura, de forma que a cerveja fosse acompanhada à mesa por pão fermentado. Se for verdadeira esta hipótese, então a cerveja é mais velha do que o pão enquanto alimento básico humano.  

Nas 24 passagens têm incríveis histórias como a dos pilotos da RAF - Real Força Aérea do Reino Unido, que quando estavam em bases na França, na reta final da Segunda Guerra Mundial, os aviões bombardeiros (sem compartimentos da carga), tinham que ir à Inglaterra para manutenções. Mesmo sem ser autorizado pelo alto comando (mais ou menos) eram designados os pilotos mais hábeis para estas viagens, pois na volta eles traziam barris de cerveja amarrados embaixo das asas dos bombardeiros para a alegria da tropa. Era uma operação de risco, pois os barris ficavam muito próximos ao chão e qualquer "barbeiragem" dos pilotos poderia destruir a cerveja.

Outra incrível história é com o último presidente da Checoslováquia e depois o primeiro presidente da República Checa, Václav Havel. Antes de se tornar presidente, Havel, opositor ao regime comunista implantando pela União Soviética, na Checoslováquia, foi trabalhar numa cervejaria. Todos seus movimentos eram vigiados pelos comunistas, culminado assim, com sua prisão em 1979. Depois de eleito presidente da República Checa, Havel nunca abandonou seu hábitos cervejeiros. Em sua primeira visita ao EUA, ele dispensou sua segurança pessoal e foi tomar cerveja em um bar americano. Como não era conhecido, no bar conversando com as pessoas foi perguntado que trabalho ele tinha. Disse que era presidente da Checoslováquia, como não sabiam bem onde era a Checoslováquia, virou brincadeira a história e motivo para mais cervejas.

Tem ainda a comovente história do cerco a Sarajevo em 1992, capital da Bósnia, quando as tropas inimigas cortaram o fornecimento de água à cidade. A água vinda das montanhas por dutos, foi bloqueada pelo inimigos deixando Sarajevo sem água por aproximadamente 3 anos. Neste período a cidade foi abastecida pelo poço artesiano da Cervejaria Sarajevska que distribuía água através de caminhões pipa. História muito comovente sobre a guerra da Bósnia.

E assim é o livro. Histórias curiosas, algumas engraçadas, outras comoventes mas todas de leitura muito agradável e leve. 

Grandes histórias, com grandes personagens, como Martinho Lutero, Adolf Hitler, Pedro o Grande, J.R.R Tolkien (autor de Senhor dos Anéis), Louis Pasteur (com sua pasteurização), entre outros.

São retratadas histórias de cervejas centenárias, muito conhecidas por nós como a Pilsner Urquell, Guiness, Carlsberg, Heineken.

O último capítulo dos 24, faz uma sensacional abordagem da ligação cerveja e futebol. O poderio da Heineken e da InBev na Europa e nos principais campeonatos não só do continente europeu, mas também das copas mundiais.

Conta o episódio da mudança de legislação no Brasil (onde a cerveja é proibida nos estádios), pela força econômica das grandes cervejarias, quando da realização em 2014, da Copa do Mundo.

Enfim, é um excelente livro que vale muito a leitura.

Como dizem os autores: "Nos 24 capítulos, apresentamos a cerveja no contexto de culturas, ideais, mudanças sociais e econômicas em diversas eras. É uma excursão prazerosa através da história da cerveja".

Saúde!!

Professor Mario Mello