Obra-prima do escritor Norueguês, Knut Hamsun, o romance "Fome" escrito em 1890, influenciou sobremaneira as tendências da literatura do inicio do século XX.
Exemplar do Círculo do Livro, 1977 |
Li "Fome" naquela época e lembro que fiquei extremamente impactado com o furor da fome. 44 anos depois, vendo que nada ou pouco mudou no mundo em relação à fome, resolvi reler o romance. Infelizmente a humilhação e a dor da fome assola, ainda, milhões de pessoas pelo mundo afora.
Knut Hamsun ( 1859 - 1952), como Victor Hugo, conheceu desde a infância a miséria, a injustiça, a maldade e fez delas o tema constante em toda sua obra, a exemplo de Victor Hugo. Victor Hugo em seu clássico "Os miseráveis" retrata o desespero, a fome e a agonia de uma personagem que vendia seus dentes para ter algum dinheiro para comer. Knut Hamsun retrata os mesmos sentimentos de um personagem que não tendo mais nada para vender, oferecia seu óculos em troca de poucas moedas para comprar um pão.
Knut Hamsun |
Genial em seus romances, Knut ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1920. Infelizmente sua escolha política pelo nazismo o levou à prisão ao fim da segunda guerra mundial. Por isso, embora toda sua genialidade, praticamente não existem homenagens a ele, na Noruega.
O romance "Fome" é muito impactante e ao mesmo tempo de uma simplicidade também impactante, pois retrata fatos corriqueiros do dia-a-dia do personagem protagonista.
Hamsun nem nome deu ao protagonista de "Fome". Narrado sempre na primeira pessoa, o protagonista era um escritor que vendia artigos para o jornal da cidade (Jornal Morgenbladet, que existe até hoje na Noruega). Porém, isso nem sempre era possível, pois o jornal acabava recusando muitos artigos e com isso, não tinha dinheiro nem para comer.
A humilhação, o sofrimento e a fome era tanta que chegou ao extremo do escritor tentar vender os botões de seu único paletó para tentar algumas moedas para comprar comida. Não teve sucesso. E assim ele passava perambulando pela cidade para passar o tempo e tentar a busca de comida. Chegava ficar semanas sem comer nada, até algum artigo render poucas moedas.
Um dia o escritor precisava de uma vela para poder escrever à noite, mas não tinha dinheiro para comprar a vela. Foi até uma loja na esperança de conseguir a vela "fiado". Porém, para sua surpresa o atendente se enganou e achou que tinha recebido dele uma nota de 5$ e deu a vela e o troco para ele. Embaraçado e surpreso ele pegou o dinheiro e a vela e saiu. Começa então, uma tortura psicológica em seu inabalável caráter. Diz ele:
"Aquele dinheiro me pesava no bolso, não me deixava em paz. Investigando bem no fundo de mim, descobri que antes era mais feliz, quando sofria, porém com toda honestidade. Oh meu Deus!" Livrou-se em seguida do dinheiro doando a outro pobre.
A fome o perseguia diariamente. A miséria e a humilhação era uma constante em seus dias. Chegava muitas vezes a mascar gravetos encontrados na rua. Sua aparência era cada vez mais cadavérica. Possuía apenas uma muda de roupa e não tinha residência fixa. Morava um tempo em algum quarto alugado, porém não tinha dinheiro para pagar o aluguel e era mandado embora. Assim, aconteceu várias vezes.
O personagem sofre com os efeitos físicos e morais da subnutrição. A fome causa a loucura e empurra a pessoa à morte. Ultrapassa as fronteiras da sanidade.
Como sempre faço nos textos, não vou contar o final do romance. Só vou dizer que, praticamente, não tem final. A fome não tem fim.
Enfim, o livro é muito triste. A agonia que passa o protagonista traz uma grande perturbação ao leitor. Porém é uma leitura "obrigatória" na reflexão ao amor ao próximo. Essa maldição e humilhação chamada fome, que muitos de nós nunca passou deveria ser proibida no mundo. Não sei e não tenho a solução para o mundo. Mas sei que posso ajudar localmente a diminuir esse sofrimento de alguns.
É um livro que vale muito a leitura, pois não tem como ficar indiferente a esse "grito".
Professor Mario Mello